quinta-feira, 7 de agosto de 2025

VEM AÍ O MÊS DA BÍBLIA, EM 2025, COM A CARTA AOS ROMANOS - Por Frei Gilvander

VEM AÍ O MÊS DA BÍBLIA, EM 2025, COM A CARTA AOS ROMANOS - Por Frei Gilvander Moreira1

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Vem aí o mês da Bíblia: setembro. Por que e para quê? Primeiro, porque dia 30 de setembro é dia de Jerônimo (342-420), o grande estudioso da Bíblia nos manuscritos em hebraico e em grego e o tradutor da Bíblia para o latim, a Vulgata. Um dos pilares dos Padres da Igreja, Jerônimo colocou a Bíblia na linguagem do povo, o latim. Em segundo lugar, porque, com a Opção pelos Pobres e a Dei Verbum, um dos ótimos Documentos do Concílio Vaticano II (que aconteceu de 1962 a 1965), a leitura da Bíblia a partir dos pobres, de forma comunitária, militante, (macro)ecumênica, inter-religiosa e transformadora, foi incentivada e vem sendo feita há mais de cinquenta anos. Inicialmente com Dia da Bíblia e sucessivamente, Tríduo Bíblico, Semana Bíblica e, assim, pouco a pouco, setembro se tornou o Mês da Bíblia. 

Em setembro de 2025, por escolha da Igreja Católica, a Carta aos Romanos será o livro bíblico escolhido para estudo e reflexão no Mês da Bíblia, com o lema “A esperança não decepciona” (Rm 5,5), que nos coloca em sintonia com o Ano Santo Jubilar da Igreja Católica, proclamado pelo Papa Francisco, com o lema “Peregrinos de Esperança”. 

Na Carta aos Romanos, especialmente em Rm 13,1-14, buscando ajudar as primeiras comunidades cristãs e a nós atualmente a enfrentar dificuldades e grandes desafios, o apóstolo Paulo lança luzes sobre duas questões fundamentais: 1) COMO ENFRENTAR OU OBEDECER ÀS AUTORIDADES? 2) COMO AMAR O PRÓXIMO? 

A Carta aos Romanos nos interpela de forma crítica e criativa a acolhermos a boa nova da gratuidade da salvação e do caminho da fé de um modo que nos liberta da lei e de todo sistema religioso que se considera condição para nossa salvação. Paulo destrói a diferença entre crentes observantes, católicos praticantes e as outras pessoas que não praticam a religião. Paulo nos convida a meditar sobre a fé como Boa notícia (Evangelho de Salvação), que nos torna livres da dependência de todo sistema humano, seja social e político, seja mesmo religioso.

A Carta aos Romanos é a mais longa e densa do apóstolo Paulo. Com seus 16 capítulos, nos ajuda a viver a fé como projeto de vida nova, não para que Deus nos salve, mas exatamente porque Ele nos salvou “de graça” e nos deu o Espírito do seu Filho para nos libertar do pecado e da própria lei (Rm 8). Na segunda parte da Carta, no capítulo 13, Paulo nos dá orientações sobre como viver a fé e nos ensina a buscar luzes e forças (inspirações) que nos ajudem a lidar com as autoridades, ou seja, como enfrentar o autoritarismo nas várias áreas do exercício do poder: na política, na economia, na religião e a aprimorar o jeito libertador de amarmos o/a próximo/a nas relações interpessoais internas, nas comunidades e na sociedade. 

Como as primeiras comunidades cristãs, que receberam a Carta do apóstolo Paulo aos Romanos, lidavam com as autoridades do poder imperial, sediado em Roma? Enfrentavam-nas de “peito aberto”, denunciando suas atrocidades e violências? Ou deveriam abaixar a cabeça e engolir “a seco” as injustiças e as violências, pois se as denunciassem, provocariam um agravamento da opressão? Deveriam buscar “brechas” no sistema imperial escravocrata para sobreviver? A partir do contexto da comunidade cristã e dos desafios que enfrentavam na periferia de Roma, qual a mensagem do apóstolo Paulo? Quais as luzes e as forças – inspirações – para nós, hoje, (que) o capítulo 13 da Carta aos Romanos nos traz? 

De ponta a ponta, do Gênesis ao Apocalipse, a Bíblia mostra a caminhada de povos oprimidos e escravizados que acreditavam em um Deus, que não era neutro e nem estava acima das pessoas, como juiz julgando e condenando, mas se revelava como Javé, Deus da vida, solidário e libertador (Ex 3,7-9). Os textos bíblicos nos mostram inúmeras formas de enfrentar e lidar com os poderes opressores. Por exemplo, sob o domínio do Imperialismo dos Faraós, no Egito, por volta de 1.250 antes da Era Cristã, as parteiras – mulheres do setor de saúde pública - fizeram greve e geraram desobediência civil, política e religiosa diante de um decreto-lei (medida provisória) que, para fazer controle de natalidade, obrigava as parteiras a matarem os meninos hebreus na hora do nascimento (Ex 1,15-22). Com astúcia e esmerada sabedoria popular, as parteiras desrespeitavam e driblavam este decreto-lei violentador e deixavam nascer os meninos, entre os quais Moisés que, com as parteiras, Miriam e Aarão conduziu o processo de libertação do povo escravizado, atravessando o mar Vermelho e marchando no deserto por “40 anos”, em busca de uma “terra que corre leite e mel”, prometida por Deus.  

Por volta do ano 587 antes da Era Comum, quando viu que o povo que acreditava em Deus estava cercado e sitiado pelo brutal exército do rei Nabucodonosor, em Jerusalém, o profeta Jeremias aconselhou o povo a “se submeter” (cf. Jer 27,2.8.12.17-18), naquele momento, como tática, para não ser aniquilado pelo poderoso exército invasor do rei da Babilônia. Um passo atrás para dar dois à frente, um recuo estratégico. 

Na década de 70 do século I, o autor do Evangelho de Marcos, via de regra, denuncia as injustiças e as violências do poder político e, em alto e bom som, acusa o poder político nacional e internacional de ser o principal responsável pela condenação à pena de morte de Jesus Cristo.

Em outro contexto, na década de 80 do Século I, o Evangelho de Lucas anima as comunidades cristãs a não fazerem confronto direto com as autoridades opressoras do poder político, mas a ir infiltrando-se nas “brechas” viáveis que viabilizassem a evolução das comunidades cristãs, praticando o evangelho de Jesus, com fraternidade real, nos vários aspectos da vida. Entretanto, diante de opressão econômica, Lucas confronta e denuncia, com veemência, os exploradores econômicos, em afirmações tais como “Ai de vós ricos...!” (Lc 6,24-26), exorta ao rico que alegava ser um cumpridor dos mandamentos de Deus: “Vá, venda tudo o que tens e dá tudo aos pobres!” (Lc 18,22) e “puxa a orelha” de doutores da Lei e de fariseus: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês limpam o copo e o prato por fora, mas por dentro vocês estão cheios de desejos, de roubo e cobiça. 26 Fariseu cego! Limpe primeiro o copo por dentro, e assim o lado de fora também ficará limpo” (Mt 23,25-26). Conforme o Evangelho de Lucas, os principais mantenedores desse sistema desigual da cidade são os fariseus. Lucas é o único evangelista a chamá-los de “amigos do dinheiro” (Lc 16,14) e os apresenta como o inimigo número 1 de Jesus. Por quê? Porque a maior parte dos fariseus e os saduceus sustentam e reproduzem um projeto de sociedade enraizada no acúmulo e concentração de bens e poder. No Evangelho de Lucas, fariseus e saduceus são denunciados e repudiados, porque jamais se relacionam com os pobres, camponeses, mutilados, doentes etc. (cf. Lc 14,12-14). Como diz a parábola do rico esbanjador e do pobre Lázaro, já nesta vida há entre o rico e o pobre um abismo intransponível (cf. Lc 16,19-31).

Os textos apocalípticos bíblicos denunciam, através de códigos, os opressores. Fazem isso, com linguagem simbólica, de modo que as pessoas pudessem levantar a voz, ao mesmo tempo em que davam a impressão de abaixar a cabeça, para não serem reprimidas. E na Carta aos Romanos, especialmente em Rm 13,1-7, como Paulo propõe lidar com as autoridades? E por que e para que tal tipo de orientação? Isto veremos no próximo texto/vídeo, o segundo. 

07/08/25

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO


2 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG

3 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS

4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1

5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1

6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos

7 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06

8 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06

9 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06

10 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06


11 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06

12 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06


 

ESPERAR E VIGIAR “NA NOITE” É PÔR-SE A SERVIÇO, A EXEMPLO DE JESUS QUE SERVE (Lc 12,32-48) - Por Frei Gilvander

ESPERAR E VIGIAR “NA NOITE” É PÔR-SE A SERVIÇO, A EXEMPLO DE JESUS QUE SERVE (Lc 12,32-48) - Por Frei Gilvander Moreira1

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No Evangelho de Lucas, de Lc 9,51 a Lc 19,27, as primeiras comunidades cristãs mostram Jesus e seu movimento popular-religioso subindo da Galileia para a capital Jerusalém, indo da periferia para o centro dos poderes político, econômico e religioso. Nestes dez capítulos, segundo Lucas, Jesus qualifica a formação dos discípulos e discípulas aprimorando a vivência radical do Evangelho, que busca construir uma fraternidade real com condições objetivas de vida para todos, todas e tudo (Jo 10,10). Está neste contexto a passagem de Lc 12,32-48, que pode ser dividida em três seções: Lc 12,32-34; Lc 12,35-40; Lc 12,41-48.

Em Lc 12,32-34, temos a força dos pequenos do Reino divino. Estes três versículos estão ligados ao tema que os precede: o abandono nas mãos do Pai e da busca primordial do Reino. Os discípulos e as discípulas de Jesus são comparados a pequeno rebanho, ao qual é confiado o Reino divino. O que Jesus ensinara a pedir no Pai-nosso (cf. Lc 11,2) já está acontecendo na vida das comunidades cristãs. O Reino se manifesta a partir dos pequenos (Lc 12,32). É daí que surge a nova sociedade. De fato, as prescrições de Jesus aos discípulos e discípulas visam à construção de sociedade e história novas, dando expressão, estatura e maturidade ao Reino de Deus: “Vendam os bens e deem esmola. Façam bolsas que não se estragam, um tesouro no céu que não perde o seu valor…” (Lc 12,33-34). “Vender bens e dar esmola” é fazer justiça e viver sob o signo da partilha, o que implica desvencilhar-se do vírus da acumulação de bens.

A ênfase é colocada no modo como as pessoas seguidoras de Jesus se relacionam entre si e com os outros, isto é, na partilha dos bens cultivando relações humanas e sociais de fraternidade, de ética, de cuidado, de amor ao próximo que envolve todos os seres vivos da biodiversidade, inclusive. De fato, no Evangelho de Lucas a palavra “esmola” é muito importante. Não se trata de dar algumas moedinhas, mas de partilhar tudo o que somos e temos. Esse era o projeto de vida dos povos camponeses das aldeias, em oposição ao sistema econômico das cidades, fundado na concentração e acumulação de bens e poder. Se quisermos, em Lucas há um modelo de pessoa que dá esmola: é Zaqueu (Lc 19,1-10), que dá aos pobres 50% do que tem (cf. também Lc 3,11). É assim que o Reino cresce e se manifesta. Jesus afirma que essa riqueza não se estraga, não perde seu valor, não pode ser roubada nem consumida.

Em Lucas 12,35-40, a proposta é de vigilância ativa na espera do Senhor que serve. A prontidão é a atitude básica que caracteriza os discípulos e discípulas de Jesus: “Estejam com as mangas arregaçadas (literalmente: rins cingidos) e com as lâmpadas acesas” (Lc 12,35). Este versículo lembra de perto a noite em que o povo de Deus foi libertado da escravidão egípcia (cf. Ex 12,21). Na noite da libertação, os hebreus estavam de prontidão. A mesma coisa é pedida aos discípulos e discípulas de Jesus.

A parábola dos servos que esperam seu senhor voltar do casamento (Lc 12,36-38) serve para ilustrar a vigilância e prontidão próprias das pessoas cristãs. Estas têm uma certeza, uma utopia: O Senhor vem! Permanece, todavia, o elemento-surpresa: ninguém sabe quando virá. A parábola conserva, ainda, outro elemento-surpresa: o senhor que volta é alguém muito especial porque, ao encontrar os servos vigiando, os fará sentar à mesa e os servirá. Esse elemento-surpresa nos ajuda a passar do nível superficial ao nível profundo da parábola: o senhor é Jesus que veio para doar a sua vida (cf. o serviço de Jesus em Lc 22,27). Porém a vida que ele concede não chega a nós de mão beijada, mas através do discernimento (vigilância e prontidão) que produz vida na sociedade. Em outras palavras, é preciso “enxergar” no escuro da noite os sinais de libertação que estão acontecendo no hoje de nossa caminhada. A libertação não se espera, constrói-se! Nisso consiste a felicidade dos cristãos: “Felizes… felizes serão se assim os encontrar!” (cf. Lc 12,37.38). “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer...”, canta profeticamente Geraldo Vandré.

Lucas 12,39-40 contém outra parábola, a do ladrão que chega sem ser esperado. Deus se apresenta em nossa história de forma inusitada e, sem vigilância e prontidão, corre-se o risco de pôr a perder o dom que é feito na pessoa de Jesus. “Estejam prontos!” (Lc 12,35.40).

O que está em Lc 12,41-46 vale somente para as lideranças? A pergunta de Pedro amplia o tema da vigilância ativa: “Senhor, estás contando esta parábola só para nós, ou para todos?” (Lc 12,41). Jesus não responde diretamente à pergunta de Pedro. Em forma de pergunta, ele conta outra parábola, a do administrador fiel e responsável: “Quem é o administrador fiel e prudente que o Senhor vai colocar à frente do pessoal de sua casa para dar a comida a todos na hora certa?” (Lc 12,42). A vigilância, nessa pequena parábola, se transforma em serviço, assumindo assim sua característica peculiar. Vigiar, portanto, não é policiar a ação pastoral da própria comunidade ou das outras, e sim pôr-se a serviço, a exemplo de Jesus que serve (cf. Lc 12,37). Nessa parábola, o administrador fiel e responsável não aparece acompanhado de direitos ou de títulos, mas sim na sua característica peculiar de alguém que se põe à inteira disposição do Senhor e dos outros. Quem, pois, é esse administrador fiel e prudente que faz de sua vida um serviço pleno à comunidade?

Lucas 12,47-48: Conhecer mais para um compromisso maior. Os versículos 47 e 48 de Lc 12 são, em primeiro lugar, um alerta contra o legalismo que caracteriza os doutores da Lei e parte dos fariseus do tempo de Jesus e de todos os tempos. Eles conheciam os mínimos detalhes da Lei que apontava para uma sociedade justa e fraterna, mas acabaram criando e apoiando, à revelia da mesma, um tipo de sociedade gananciosa, opressora e corrupta. Em segundo lugar, esses versículos estimulam ao conhecimento do projeto de Deus em vista de um compromisso maior: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido” (Lc 12,48b). O que foi dado e confiado aos discípulos de Jesus? A vivência das relações humanas e sociais que efetivam o reino divino no nosso meio. “Não tenha medo, pequenino rebanho, pois foi da vontade do Pai dar a vocês o Reino” (Lc 12,32).

Enfim, é necessário estarmos atentos, preparados, esperançando! Estar vigilantes implica  em ver tudo o que fere a vida e a dignidade das pessoas e do meio em que vivemos e ter a coragem de denunciar essas estruturas de morte. Estar atentos tem a ver com ser sensíveis ao sofrimento de tantos irmãos e irmãs, vítimas de diversas formas de violência, de exclusão, de opressão, de injustiças. Assim como fez Jesus de Nazaré. Que a luz divina nos ilumine para que tenhamos a coragem necessária de abrir verdadeiramente os olhos, testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo e cuidar da construção do Reino divino a partir do aqui e do agora.

 

 

terça-feira, 29 de julho de 2025

A GANÂNCIA DE UNS ROUBA AS CONDIÇÕES DE VIDA DO POVO (Lc 12,13-21) - Por frei Gilvander

A GANÂNCIA DE UNS ROUBA AS CONDIÇÕES DE VIDA DO POVO (Lc 12,13-21) - Por frei Gilvander Moreira[1]

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Fica mal com Deus / Quem não sabe dar / Fica mal comigo / Quem não sabe amar” (Geraldo Vandré)

Para melhor entender o texto evangélico de Lc 12,13-21 é importante ter presente que, de acordo com o evangelista Lucas, na Palestina do tempo de Jesus vigoravam dois modelos econômicos contrastantes: o sistema das aldeias no campo e o sistema das cidades.

No campo, nas aldeias, as relações humanas e sociais eram de partilha, solidariedade, troca de produtos, mutirões etc., de modo que dificilmente alguém ficava excluído do mínimo para viver com dignidade. Quem, por qualquer motivo, acabasse excluído desse sistema não teria outra solução senão ir para as cidades, tentar sobreviver de bicos na informalidade ou tornar-se mendigo, assaltante…

O sistema de relações econômicas das aldeias contrastava com o das cidades. Desde o século 4º antes da Era Cristã, a dominação do império grego privilegiava a cidade com sua burocracia e elite político-econômica, em prejuízo dos camponeses, que deviam sustentar todo esse aparato burocrático, o luxo e os privilégios de quem dominava os povos a partir da cidade. Desse modo, a cidade se tornou lugar em que poucos tinham acesso ao topo da pirâmide social, gerando consequentemente um subproduto social composto de desempregados, mendigos, ladrões, assaltantes etc. (A parábola dos “operários da vinha”, a do reino divino é vida, em Mt 20,1-16, mostra que, no fim do dia, a praça da cidade continuava cheia de pessoas, pois “ninguém nos contratou”, alegam os marginalizados.)

Está, dessa forma, estabelecido o contraste: no campo (nas aldeias), com esforço, mantém-se um sistema de relações econômicas baseado na troca e na partilha (e isso quase sempre impede que os endividados caiam na miséria e virem mendigos ou bandidos), ao passo que nas cidades acontece o contrário: aí vale a lei do mais forte, daquele que teve melhores oportunidades, gerando consequentemente a exclusão e a marginalidade, acompanhadas de suas crias: mendicância, violência, roubo etc.

Conforme o Evangelho de Lucas, os principais mantenedores desse sistema desigual da cidade são os fariseus. Lucas é o único evangelista a chamá-los de “amigos do dinheiro” (Lc 16,14) e os apresenta como o inimigo número 1 de Jesus. Por quê? Evidentemente porque estão em jogo duas propostas de sociedade: uma fundada na partilha solidária, vivida entre os/as camponeses/sas e assumida por Jesus. Ele a propõe aos discípulos e discípulas como caminho que conduz ao Reino de Justiça, amor e paz. A outra alternativa é a proposta da sociedade, vivida pela sociedade dominante, enraizada no acúmulo e concentração de bens e poder, cujos defensores principais são os fariseus, “amigos do dinheiro”. No Evangelho de Lucas, essas pessoas jamais se relacionam com os pobres, camponeses, mutilados, doentes etc. (cf. Lc 14,12-14). Como diz a parábola do rico esbanjador e do pobre Lázaro, já nesta vida há entre o rico e o pobre um abismo intransponível (cf. Lc 16,19-31).

O Evangelho de Lucas 12,13-21 inicia com o pedido de alguém do meio da multidão: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo” (Lc 12,13). Lucas não identifica a pessoa que fez o pedido. É sinal de que muita gente está sentindo a necessidade de que lhe seja feita justiça.

Certamente, essa pessoa que pede a Jesus para ser juiz nessa disputa pela herança pertence ao sistema de relações da cidade, fundado na concentração de bens. A herança soa como resultado de concentração de bens. E Jesus não se põe do lado da concentração, mas da partilha.

 É justo esperar que Jesus faça a distribuição dos bens de herança? (Lc 12,13-15). A resposta de Jesus parece desencorajar qualquer clamor: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir os bens entre vocês?” (Lc 12,14). É evidente que a resposta deve ser: “Ninguém!” A partir disso, entre nós, na Igreja, muita gente tira conclusões apressadas: “Está vendo? Jesus não se importou com o clamor por justiça. Os que associam Evangelho de Jesus Cristo e justiça social são traidores da mensagem de Jesus”, afirmam os cristãos que tentam justificar sua vida baseada na acumulação de riqueza.

De fato, se Jesus não tivesse acrescentado mais nada, poderíamos dormir tranquilos diante das injustiças sociais que assolam brutalmente nossa sociedade. Contudo, Jesus acrescentou uma advertência e contou uma parábola que interpela nossa consciência. Elas são como uma fisga que pega a todos e todas desprevenidos: “Atenção! Tenham cuidado com todo tipo de ganância, porque mesmo que alguém tenha muitas coisas, o sentido da vida do homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,14). Com essa advertência, Jesus põe a nu o que estava escondido. Por trás da não-partilha esconde-se a ganância do acúmulo de bens e a consequente perda do sentido da vida que ela gera, tanto para quem acumula, quanto para os que são despojados.

O Evangelho de Jesus diz que acúmulo é loucura (Lc 12,16-21). A parábola é um alerta. Acumular bens e poder é loucura. Não garante a vida de ninguém. De fato, a parábola afirma que o homem já era rico antes de obter uma grande colheita (Lc 12,16). E pelo fato de a colheita ser grande, temos a impressão de que era dono de grandes propriedades, possuidor de celeiros onde acumulava o produto do campo. Ele não pensa naqueles que trabalharam em suas terras a fim de que a colheita fosse abundante. O que planeja é derrubar os celeiros antigos a fim de construir outros maiores para lá armazenar todo o trigo, junto com os seus bens (Lc 12,18). Mais uma vez não pensa naqueles que irão trabalhar para derrubar os velhos armazéns e construir os novos. Ele só pensa em acumular bens para ter vida: “Então poderei dizer a mim mesmo: ‘Meu caro, você tem um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma, beba, alegre-se!’ ” (Lc 12,19).

O homem da parábola é louco, pois sua riqueza foi construída sobre colunas de injustiça e violência. Por um lado, despojou outros trabalhadores: produziu, derrubou, construiu e acumulou com o suor dos trabalhadores; quer descansar, comer, beber e alegrar-se por longos anos à custa do trabalho de outros e da fome, sede e tristeza dos outros. Esse homem é louco também, porque pretende se tornar absoluto, pensando ter garantido a vida. Mas a vida é dom de Deus. E Deus não se deixa comprar: “Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?” (Lc 12,20).

Deus quer todos e todas tenham vida em abundância (Jo 10,10). O bem-estar de alguns, conseguido à custa da injustiça e da exploração de outros, não é dom de Deus e nem pode ser chamado de vida, pois esta vem de Deus e se destina a todos e todas. A vida é para ser partilhada.

“O que fazer?” Esta era a pergunta a que o homem rico levantou segundo os critérios da ganância. É a mesma pergunta que a parábola faz a cada um de nós: “O que fazer?” Um pouco adiante Jesus dirá: “Busquem o Reino de Deus, e ele dará a vocês essas coisas em acréscimo” (Lc 12,31), pois o Reino de Deus é a vida que se manifesta na partilha de tudo o que temos e de tudo o que somos.

Lucas 12,13-21 nos faz pensar se o repasse de herança para as pessoas herdeiras é algo justo. Varia muito o imposto sobre herança nos países. Na Bélgica, o imposto sobre herança pode chegar a 80% do valor da herança; na França, pode chegar a 60%; no Japão, até 55%; na Alemanha, até 50%; na Coreia do Sul, até 50%; no Líbano, até 45%; nos Estados Unidos, até 40%; nos Países Baixos e Reino Unido, até 40%. No entanto, no Brasil, o imposto sobre herança varia entre 2% e 8%, dependendo do estado. Sem taxar de forma justa os super-ricos no Imposto de renda e na herança, a desigualdade socioeconômica vai se reproduzindo. Especialmente na sociedade capitalista como a nossa, o mínimo que devia existir é o imposto sobre herança com alíquota de 50% e destinado às áreas sociais para melhorar a vida do povo empobrecido. O justo seria a herança ser partilhada entre todos os filhos e filhas – a sociedade inteira – e não apenas com os filhos de uma família nuclear.

Lucas 12,13-31 nos mostra que é impossível ser pessoa cristã autêntica e ser capitalista ao mesmo tempo, pois para ser discípulo/a de Jesus Cristo é preciso viver sob a lógica da partilha, da justiça, da ética e da solidariedade com todos e todas. “Para não ficar mal com Deus é preciso dar” e se doar para poder amar, conforme canta Geraldo Vandré. Por outro lado, o sistema capitalista se reproduz pela lógica da ganância que impulsiona a busca desenfreada pela acumulação de bens e poder, o que desumaniza as pessoas, tornando-as egocêntricas e ensimesmadas.

Jesus propõe aos discípulos e discípulas acumular “riquezas em Deus”. No próximo domingo, 10 de agosto, a Igreja celebra a memória de São Lourenço, diácono da Igreja de Roma, no século III. Na perseguição do imperador Valério, os algozes que o prenderam queriam que ele mostrasse onde ficava o tesouro da Igreja. Ele apontou para os pobres e disse: “Os pobres são o tesouro da Igreja”. Que hoje também a comunhão com os empobrecidos seja nossa riqueza e nosso tesouro.  

Lucas nos mostra Jesus apresentando claramente a ordem econômica e social do Reino de Deus: um reino fundamentado na fraternidade que gera partilha, justiça, solidariedade, cuidado uns com os outros, sem acúmulo de riquezas, sem exploração, onde todos e todas tenham o necessário para viver com dignidade. 

Oxalá toda a Igreja beba da sua própria fonte, volte a Jesus, se deixe iluminar pelo Evangelho de Cristo e por seus próprios ensinamentos. A atenção com os pobres está na tradição da Igreja. Veja, por exemplo, um trecho de homilia de Santo Ambrósio, Padre da Igreja nos primeiros séculos do Cristianismo: "Não é dos teus bens que tu doas ao pobre; tu só lhe devolves o que lhe pertence. Porque é àquilo que é dado em comum para o uso de todos que tu te apegas. A terra é dada a todos, e não somente aos ricos". Suas palavras inspiraram o Papa Paulo VI a afirmar na Encíclica Populorum Progressio, de 1967, que a propriedade privada não constitui para alguns um direito incondicional e absoluto, e que ninguém está autorizado a reservar para o seu uso exclusivo aquilo que supera a sua necessidade, quando aos outros falta o necessário. Portanto,  lutar por essa riqueza que é o Reino de Deus, tão bem apresentado neste Evangelho de Lucas 12,13-21, deve ser a missão de todos os cristãos e cristãs, em comunhão com todas as pessoas de boa vontade. 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no You Tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No Instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

sexta-feira, 6 de junho de 2025

POR QUE O PL 2159/2021 É PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL? Por frei Gilvander

POR QUE O PL 2159/2021 É PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL? Por frei Gilvander Moreira[1]

Ato Público e Marcha contra o PL 2159/2021 em Belo Horizonte, MG, dia 01/06/25. Foto Reprodução CSP Conlutas

Logo após aprovação no Senado Federal do Projeto de Lei n. 2159, que tinha sido aprovado em 2021 na Câmara Federal, este PL brutal e exterminador das condições objetivas de vida terá que ser votado novamente pela Câmara Federal, porque o PL sofreu várias alterações drásticas para pior no Senado.

Dia 31 de maio último (2025), iniciaram-se em dezenas de cidades brasileiras Atos Públicos e Marchas exigindo que este PL 2159 seja arquivado e jogado na lata de lixo da história, pois, em tese, considerado LEI GERAL DO LICENCIAMENTO, trata-se, pelo seu teor e conteúdo, de PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL, porque, na prática, impõe o fim do regramento legal do Licenciamento Ambiental, impõe o LICENCIAMENTO ZERO. Se for aprovado e sancionado pelo presidente Lula e não for derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será porteira escancarada para a “BOIADA DAS BOIADAS”, o PL do “VALE TUDO” para o grande capital – grandes empresas nacionais e transnacionais e o Estado – implantarem ditadura sobre os Povos que resistem no território brasileiro e sobre a Natureza – fim dos Direitos da Natureza -, além de acelerar a marcha bárbara do capitalismo para a extinção da humanidade.  

O PL 2159 é flagrantemente inconstitucional, pois viola muitos artigos da Constituição de 1988. O conteúdo deste PL está na direção contrária do que prevê a Constituição Federal sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado . Precisa ser respeitado o Art. 225 da CF/88 que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." 

Qual o teor e o conteúdo deste famigerado e desumano PL 2159? Em linhas gerais, este PL reduz obrigações das empresas e do Estado nas suas grandes obras, dilui o poder da fiscalização, ignora os Territórios Tradicionais, implode a base regulatória do Licenciamento Ambiental em vigor.

Mudanças Recentes (feitas pelo Senado Federal) no PL 2159: A) Introdução da Licença Ambiental Especial (LAE), que libera de modo mais rápido projetos considerados prioritários para o governo federal. A “toque de caixa”, os projetos serão liberados sem os necessários estudos de impacto socioambiental. B) Inclusão da mineração de médio porte e alto risco. Urge proibir também o fatiamento de grandes projetos em vários pequenos ou médios projetos para driblar um Licenciamento Ambiental rigoroso.

O que muda no Licenciamento Ambiental com o novo PL da Devastação: a) Não define atividades sujeitas a licenciamento, transferindo para os estados e municípios a decisão sobre o que deve ou não ser licenciado. É previsível o que vai acontecer, diante de uma realidade de prefeitos no cabresto de grandes empresas, que quase sempre dão uma de Pilatos e “lavam as mãos”, ficando com as mãos cheias de sangue invisível a olho nu, pois a omissão se torna cumplicidade diante dos projetos devastadores do ambiente; b) Cria a Licença Ambiental Única (LAU), atestando em uma única etapa a viabilidade da instalação, ampliação e operação, em que aprova as ações de controle e monitoramento ambiental, estabelecendo condicionantes ambientais; No atual regramento, o Licenciamento deve acontecer em três etapas com as Licenças Prévia, de Instalação e de Operação, sendo que a cada Licença são determinadas condicionantes que devem ser cumpridas para a obtenção para próxima licença. A criação da Licença Única será na prática extinção das três licenças, pois será arremedo de licença só para pôr uma capa de legalidade em projetos brutais de devastação socioambiental; c) Expande a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para médio porte e médio potencial poluidor – o autolicenciamento do empreendedor/empresa/Estado. Legalizar autolicenciamento é colocar “raposa para cuidar do galinheiro” e viola flagrantemente os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais que, além dos direitos inscritos na Constituição Federal, têm direito à Consulta Prévia, Livre, Informada, de Boa-Fé e Consentida, conforme prescreve a Convenção 169 da OIT[2] da ONU[3], homologada pelo Brasil desde 2004; d) Dispensa o licenciamento para atividades do agronegócio: pecuária extensiva, semiextensiva, intensiva de pequeno porte, além de obras de saneamento básico, rede elétrica de média tensão e melhorias de obras preexistentes; e) Dispensa Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de empreendimentos que o órgão ambiental considerar livre de impacto (sem regra). Ou seja, fica legalizado o negacionismo e dispensados os estudos técnicos científicos que tanta luz trazem sobre os projetos devastadores; f) Restringe o rol condicionantes; g) Reduz a participação dos órgãos colegiados: retira atribuições técnicas e normativas do SISNAMA[4], CONAMA[5] e dos Conselhos Estaduais; g) Reduz a participação de órgãos técnicos e a proteção a áreas de conservação (FUNAI[6], IPHAN[7], outros), pois seus pareceres não serão mais vinculantes (deliberativos), mas apenas consultivos; h) Ignora Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais (inclui apenas Terras Indígenas homologados e Territórios Quilombolas titulados), ou seja, mais de 90% das Terras Indígenas e dos Territórios Quilombolas serão ignorados, por não ser homologados e nem com territórios titulados; i) Diminui a participação social (só uma Audiência Pública “para inglês ver”!); j) Desvincula o Licenciamento Ambiental das outorgas para o uso da água e do solo, ou seja, o abastecimento humano, que é prioritário, não será garantido (vem aí a guerra pela água!); l) Não são considerados os planos de bacias hidrográficas, a escuta dos Comitês de bacias e os Conselhos Estaduais e Federais de Recursos Hídricos. 

Enfim, quem ganha com o PL 2159, o PL da Devastação? Sem dúvida, a Bancada Ruralista, Bancada da Bala, do Boi e da Bíblia; grandes corporações nacionais e transnacionais (mineradoras, grandes empresários do agro e hidronegócio, negacionistas climáticos e o Estado serviçal da classe dominante). E quem perde muito com o PL 2159? Os Povos Originários, os Povos Tradicionais, a sociedade em geral e a Natureza, porque, se aprovado e sancionada lei com o teor do PL 2159, a desertificação dos territórios se intensificará, os eventos extremos serão cada vez mais frequentes e brutalmente letais. Os povos serão expropriados e forçados a migrar sem ter para onde ir. Será o caos social, com violência generalizada, miséria, fome, adoecimento descomunal, irrupção de epidemias... As condições ambientais que garantem a reprodução da vida social serão rompidas. Estaremos no desfiladeiro do fim da humanidade. O que resta dos biomas da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica, do Pantanal, da Caatinga e dos Pampas será liquidado.

Neste PL não há menção à crise climática nem à palavra clima. Ignora-se de forma criminosa o grito estridente das sirenes da Emergência Climática.[8] Se 2024 foi o ano que teve o maior número de pessoas desalojadas por terem sido golpeadas pelos eventos extremos, um milhão de pessoas, a história vai demonstrar que a cada ano o número será muito maior, pois crescerá em progressão geométrica. É absurdo dos absurdos nos preparativos para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – Conferência das Partes – (COP-30) destruir na prática o regramento do Licenciamento Ambiental. O                                                retrocesso ambiental será incomensurável.

Concordamos com a análise pertinente feita pelo advogado popular Dr. Elcio Pacheco: “O Projeto de Lei 2159/2021, o “PL da Devastação”, às vésperas da COP 30, é um escárnio e acinte ao arcabouço do direito  da natureza  e ao  direito  ambiental! As mudanças nos processos de Licenciamento Ambiental, cujas propostas estabelecem, entre outras violações, a dispensa de licenciamento, a facilitação e flexibilização das exigências, bem como a  ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de médio potencial poluidor, em caráter  unilateral  a exemplo da  autodeclaração do empreendedor/empresa/Estado, desprezando  análises  técnicas, como Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) é  um estelionato ao sistema protetivo do meio ambiente.  ISTO É, não haverá o critério científico  ou não passará pelo crivo  de análises  dos impactos  socioambientais. RESULTARÁ com isso, que o Licenciamento Ambiental mais preciso se afastará de importantes regras inibidoras de desvios técnicos  ou premiará  meros interesses  econômicos  em brutal prejuízo  à vida. Esse maldito PL visa suprimir ou flexibilizar a outorga do uso das águas. VISA suprimir e fragilizar a participação social e os direitos  territoriais de  todos  os  Povos e  Comunidades Tradicionais.

 Por fim, reputamos que é mais que URGENTE exigirmos ao STF fazer o controle de constitucionalidade desse famigerado PL, visto que viola, ao mesmo tempo,  o direito  à  vida e a Consulta  Prévia,  Livre, Informada, de Boa-Fé e Consentida, consagrado  na Convenção 169 da OIT da ONU e em Pactos e Acordos  em nível  nacional  e internacional.”

Feliz e bendito quem se opõe radicalmente ao PL 2159/2021, na iminência de ter aprovação concluída no Congresso Nacional, Projeto de Lei inconstitucional que desmonta as leis de Licenciamento Ambiental abrindo a porteira para a boiada do agronegócio, das mineradoras e do Estado capitalista para acelerar a colocação no altar do sacrifício territórios essenciais para a garantia das condições de vida dos Povos e de toda a biodiversidade.

06/06/2025.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - BH E MG CONTRA PL 2159/2021, DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL, EXTERMINADOR DO FUTURO, DESERTIFICADOR. NÃO!



2 - PL 2159/2021: PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL, EXTERMINADOR DO FUTURO, DESERTIFICADOR DE TERRITÓRIOS



3 - PL 2159, PL DA DEVASTAÇÃO SOCIAMBIENTAL, INCONSTITUCIONAL, FIM DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Vídeo 1



4 - PL 2159, DEVASTAÇÃO SOCIAMBIENTAL, IMPÕE DITADURA DO GRANDE CAPITAL SOBRE AMBIENTE E OS POVOS. Víd 2



5 - PL 2159, PL DA DEVASTAÇÃO SOCIAMBIENTAL, INCONSTITUCIONAL, FIM DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Vídeo 01



6 - UFMG, Raquel/Marcos/Andrea: “PL 2159/2021 DESTROÇA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL, É AMEAÇA À HUMANIDADE"



7 - MINERAÇÃO NO BOTAFOGO, NÃO! OURO PRETO/MG CONTRA PL 2159/2021, PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL. Vid2



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização Internacional do Trabalho.

[3] Organização das Nações Unidas.

[4] Sistema Nacional do Meio Ambiente.

[5] Conselho Nacional do Meio Ambiente.

[6] Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

[7] Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

[8] Fonte Principal de consulta: SUMAÚMA - Diário de Guerra (28/05/25).

 

quinta-feira, 29 de maio de 2025

ASCENSÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS: O PROJETO DE JESUS CONTINUA NA PRÁXIS DAS PESSOAS E COMUNIDADES (Lc 24,46-53; At 1,9-11) - Por frei Gilvander

ASCENSÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS: O PROJETO DE JESUS CONTINUA NA PRÁXIS DAS PESSOAS E COMUNIDADES (Lc 24,46-53; At 1,9-11) - Por frei Gilvander Moreira[1]

Jesus negro. Reprodução Redes Virtuais

Antes da separação da obra lucana – Evangelho de Lucas (Lc) e Atos dos Apóstolos (At) - só existia o relato da Ascensão em Lc 24,50-53. Após a separação de Lucas e Atos, acrescentaram outra referência à Ascensão em At 1,1-2.9-11. A tradição original comum apresenta a ressurreição de Jesus como uma exaltação (cf. Rm 1,4; Fl 2,6-11, etc.). Só o evangelista Lucas fala da Ascensão, separando-a da ressurreição. Ele quer evidenciar o caráter histórico de cada uma dessas realidades. Lucas insiste na corporalidade do ressuscitado. Na Ascensão, uma linguagem mítica expressa a realidade histórica da exaltação/glorificação de Jesus. Com a Ascensão, Lucas quer dizer que Jesus não vai embora, mas é exaltado, glorificado. Jesus não sai deste mundo. A parusia não é o retorno de um Jesus ausente, mas, sim, a manifestação gloriosa de um Jesus que sempre esteve presente no meio das comunidades (cf. Mt 1,23; 18,20; 28,20). “Estou e sempre estarei com vocês”, enfatiza o Evangelho de Mateus.

As Comunidades Cristãs não nascem, porque Jesus vai embora ou porque não retorna, mas nascem justamente porque o ressuscitado não vai embora. Após a Ressurreição, Jesus continua presente na ausência física e no corpo dos cristãos e das cristãs. As Comunidades Cristãs não são frutos de uma parusia frustrada, mas de uma presença amorosa de Jesus, vivida de maneira histórica, não como presença visível e empírica, mas como presença transdescendente vivida na história. No livro dos Atos dos Apóstolos, as comunidades eclesiais são igrejas escatológicas não porque esperam a segunda vinda de Jesus, mas porque vivem desde já, historicamente, a experiência de Cristo ressuscitado e glorificado, no mundo e nas comunidades (cf. aparições de Jesus ressuscitado a Estevão, Pedro e Paulo e a experiência permanente do Espírito Santo nas comunidades).

A cena da Ascensão, sem paralelos no Evangelho de Mateus e no Evangelho de João, representa é o clímax dos relatos de aparições de Jesus que começam em Lc 24,36. Em Mc 16,19 há alguma semelhança. A descrição da Ascensão foi pintada com traços apocalípticos. Tendo o Primeiro Testamento como pano de fundo, encontramos algumas histórias de "Ascensão", como se pode ver nos casos de Enoc (Gn 5,24; Eclo 44,16; Hb 11,5); Elias (2 Rs 2,11; Eclo 48,9; 1 Mac 2,58), Esdras (2 Esd 14,9) e Moisés.

Em Lc 24,51 se diz que Jesus "foi elevado" (= anephereto), enquanto em Mc 16,19 se diz que Jesus "foi tomado" (= anelemppthe). Esse verbo ressalta mais a iniciativa e o poder de Deus, enquanto "foi elevado" (= anephereto) sugere mais iniciativa e poder de Jesus; sugere que Jesus atinge a plenitude humano-divina. O quarto Evangelho canônico, o do discípulo amado, comumente chamado de Evangelho de João, diz que Jesus apareceu a Maria Madalena antes da Ascensão (Jo 20,17). Lucas relata também que depois da Ascensão Jesus aparece a Paulo (At 9,4-6; 22,6-11; 26,14-17).

Segundo o Evangelho de Lucas, a Ascensão acontece na noite de Páscoa (cf. Lc 24,51; At 1,2). No entanto, conforme o relato de At 1,9-11, a Ascensão acontece "40 dias depois". Não é possível saber por que Lucas deu essas indicações de dois momentos diferentes para o relato do episódio da Ascensão. Não existem razões para pensar que Lucas considere como sendo dois episódios diferentes[2]. Não é provável que Lucas tenha descoberto a data de "40 dias" depois que tenha escrito o Evangelho.

A Ascensão é a plenitude da Páscoa de Jesus Cristo. Já em Lc 9,31.51, Moisés e Elias conversavam sobre o êxodo de Jesus. Com a Ressurreição-Ascensão, Jesus entra definitivamente na esfera de Deus, celestial[3]. A expressão grega "eis ton ouranon" pode ser traduzida por "para o seu céu", ou "no céu", ou em sentido aramaico por “no universo”. Logo o que Lucas quer dizer é que Jesus atinge a Transcendência. Não afirma que esta se dá no além, depois das nuvens, mas está principalmente na imanência. Somos um projeto infinito, com sede de transcendência, com vocação para superar os nossos limites e barreiras. Logo, a Ascensão é a coroação da caminhada libertadora do Filho do Homem. Os cristãos e as cristãs têm nesse evento um sinal-esperança capaz de sustentar a árdua tarefa de serem testemunhas desses acontecimentos, sendo outros cristos.

As pessoas cristãs são testemunhas do cumprimento das Escrituras (Lc 24,45-48). O Espírito Santo traz luz para reler as Escrituras e é chamado "Força do Alto". Já em Lc 1,35 se diz que pela "Força do Alto" Jesus se encarnou no seio de Maria. Agora, por essa mesma força, Jesus se encarnará na vida de seus seguidores e seguidoras. À luz desse Espírito, os cristãos e as cristãs são capazes de desmascarar e destruir as estruturas geradoras de morte, a fim de construir a nova história inaugurada pela prática e ensinamento libertadores de Jesus.

Jesus abençoa e dá vida (Lc 24,50-51). Usando imagem própria do tempo, segundo a qual se pensava que Deus habitasse além das nuvens, Lucas descreve Jesus sendo levado para o céu (Lc 24,51). A cena recorda Lv 9,22-24: "Arão levantou as mãos sobre o povo e o abençoou; e desceu, havendo feito a expiação do pecado, e o holocausto, e a oferta pacífica... Arão entrou na tenda da reunião.... e a glória do SENHOR apareceu a todo o povo... vendo todo o povo, jubilou e prostrou-se com o rosto por terra". Assim Lucas reafirma a continuidade das primeiras comunidades cristãs com a fina flor dos povos do Primeiro Testamento bíblico.

À semelhança dos povos do Primeiro Testamento (cf. Lv 9,24), a reação dos discípulos é de reconhecimento, expectativa e alegria: "Eles o adoraram e depois voltaram para Jerusalém, com grande alegria" (Lc 24,52). Reconhecem que Jesus realizou o projeto do Pai. E por isso é merecedor de adoração, que não é ficar de joelhos, paralisado diante do Senhor de nossas vidas, mas é associar-se ao projeto do Mestre Galileu sendo pessoas continuadoras criativas do Evangelho de Jesus Cristo. Vão a Jerusalém, alegres e com coragem, na expectativa de receberem a “força e a luz do Alto”, para continuarem a luta libertária iniciada pelo mestre da Galileia.

Vivem alegres porque Jesus não lhes foi tirado: ele se manifestará no seu Espírito, o animador e sustentador da caminhada dos cristãos e cristãs. A Ascensão de Jesus não é uma viagem para além das nuvens, mas a comunhão definitiva e plena com Deus, um mistério infinito de amor que envolve e perpassa toda a Criação.

A informação “Jesus sendo elevado” é uma importante afirmação cristológica, pois reflete a convicção das Igrejas primitivas que Jesus realmente ressuscitou, se tornou Senhor, Kyrios, está na presença do Pai.

Em At 1,9-11, na narrativa da Ascensão, Lucas conta a exaltação de Cristo ressuscitado. É composição lucana, possivelmente a partir de fonte oral. Os sinópticos descrevem somente a ressurreição. O evangelho apócrifo de Pedro também descreve a Ascensão (§35-42). A Ascensão é entendida como a última aparição “convincente” de Jesus. Lucas enfatiza a visão perceptiva de Jesus subindo; cinco verbos indicam isto. Assim os apóstolos se tornam testemunhas oculares da exaltação de Cristo. “Dois homens vestidos de branco” dizem “homens galileus...” e não dizem “apóstolos”. Também em Emaús Jesus aparece não aos apóstolos, mas a duas pessoas que têm a experiência de Jesus Cristo ressuscitado e voltam para Jerusalém. O Cristo que sobe inaugura o tempo da/s igreja/s. Com a Ascensão, à primeira vista, pensamos que Jesus “foi embora”, mas, na realidade mais profunda, o texto quer dizer que Jesus não foi embora. Ele continua vivo no corpo dos discípulos e discípulas.

Em At 1,9 fala do arrebatamento de Jesus. A referência à nuvem, símbolo teofânico, afirma que Jesus pertence definitivamente à esfera de Deus. É a certeza da comunidade de que Jesus cumpriu perfeitamente a vontade do Pai. Contudo, não basta sabê-lo. Torna-se necessário descruzar os braços, deixar de olhar passivamente para o céu, encarar a realidade que nos cerca, perceber que somos todos “homens da Galileia”, comprometidos com o testemunho de Jesus (At 1,10-11). O texto da Ascensão termina fazendo referência à volta de Jesus, da mesma forma como foi visto partir para o céu, ou seja, pelo testemunho coerente do Evangelho de Jesus Cristo.

Com a Ascensão, "Jesus não foi embora". Mesmo na ausência física, continua presente nas comunidades que se deixam guiar pelo Espírito Santo. Sua nova forma de presença na ausência física já se manifesta na encarnação e na ressurreição. Ele deve somente terminar de voltar e não começar a voltar, ou seja, manifestar visivelmente e de forma plena a sua presença. Isso é o que em grego se chama parusia.

Enfim, pela Ascensão Jesus passa o bastão para os discípulos e discípulas que, com alegria e coragem, devem seguir testemunhando a presença amorosa e libertadora do mestre galileu construindo o reinado divino. A presença de Jesus se dá pela autenticidade de seus discípulos e discípulas. Conclusão: carregar a bandeira do Evangelho é tarefa intransferível nossa.

É evidente a nossa responsabilidade pela presença do Reino na vida de todas as pessoas, no meio de nós, além de nos iluminar no sentido de que devemos rever nossa prática da fé, se estamos testemunhando com coerência o Reino de Deus pensado por Jesus em todas as dimensões da vida,  como presença de sua proposta de libertação, de vida digna para todos e todas e toda a criação. Conforme o testemunho do quarto evangelho (João 17), um primeiro e importante sinal disso é a unidade das Igrejas cristãs. Por isso, entre esse domingo, festa da Ascensão e o próximo, Festa de Pentecostes, celebramos a Semana de Oração e de Diálogo pela Unidade dos Cristãos. “Pai que todas as pessoas que vierem a crer em mim sejam UM, como Eu e Tu somos um, para que o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 21). Unidade na diversidade, sim; uniformismo, não!

29/05/2025.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - SEM TERRA FUNÇÃO SOCIAL P/ TERRA OCIOSA DA SIDERÚRGICA CAJURUENSE FALIDA, PRES. OLEGÁRIO/MG. Vídeo 7



2 - CARLITO E CIDA, EXEMPLO DE LUTA PELA TERRA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 6



3 - PRÉ-JORNADA DE AGROECOLOGIA, TEIA DOS POVOS E MLB, NA OCUPAÇÃO PAULO FREIRE, BH/MG: MINERAÇÃO, NÃO!



4 - FÉ NA LUTA PELA TERRA: MÍSTICA BÍBLICA NA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 4




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Cf. P. BENOIT, "The Ascension", 242; Exégèses et Théologie, 1.399.

[3] Cf. Aristóteles, Metafísica, 12.8 & 1073a.