VEM AÍ O MÊS DA BÍBLIA, EM 2025, COM A CARTA AOS ROMANOS - Por Frei Gilvander Moreira1
Reprodução Redes VirtuaisVem aí o mês da Bíblia: setembro. Por
que e para quê? Primeiro, porque dia 30 de setembro é dia de Jerônimo
(342-420), o grande estudioso da Bíblia nos manuscritos em hebraico e em grego
e o tradutor da Bíblia para o latim, a Vulgata. Um dos pilares dos Padres da
Igreja, Jerônimo colocou a Bíblia na linguagem do povo, o latim. Em segundo
lugar, porque, com a Opção pelos Pobres e a Dei Verbum, um dos ótimos
Documentos do Concílio Vaticano II (que aconteceu de 1962 a 1965), a leitura da
Bíblia a partir dos pobres, de forma comunitária, militante, (macro)ecumênica,
inter-religiosa e transformadora, foi incentivada e vem sendo feita há mais de cinquenta
anos. Inicialmente com Dia da Bíblia e sucessivamente, Tríduo Bíblico, Semana
Bíblica e, assim, pouco a pouco, setembro se tornou o Mês da Bíblia.
Em setembro de 2025, por escolha da
Igreja Católica, a Carta aos Romanos será o livro bíblico escolhido para
estudo e reflexão no Mês da
Bíblia, com o lema “A esperança não decepciona” (Rm 5,5), que nos coloca
em sintonia com o Ano Santo Jubilar da Igreja Católica, proclamado pelo Papa
Francisco, com o lema “Peregrinos de Esperança”.
Na Carta aos Romanos, especialmente em
Rm 13,1-14, buscando ajudar as primeiras comunidades cristãs e a nós atualmente
a enfrentar dificuldades e grandes desafios, o apóstolo Paulo lança luzes sobre
duas questões fundamentais: 1) COMO ENFRENTAR OU OBEDECER ÀS AUTORIDADES? 2)
COMO AMAR O PRÓXIMO?
A Carta aos Romanos nos interpela
de forma crítica e criativa a acolhermos a boa nova da gratuidade da salvação e
do caminho da fé de um modo que nos liberta da lei e de todo sistema religioso
que se considera condição para nossa salvação. Paulo destrói a diferença entre
crentes observantes, católicos praticantes e as outras pessoas que não praticam
a religião. Paulo nos convida a meditar sobre a fé como Boa notícia (Evangelho
de Salvação), que nos torna livres da dependência de todo sistema humano, seja
social e político, seja mesmo religioso.
A Carta aos Romanos é a mais
longa e densa do apóstolo Paulo. Com seus 16 capítulos, nos ajuda a viver a fé
como projeto de vida nova, não para que Deus nos salve, mas exatamente porque
Ele nos salvou “de graça” e nos deu o Espírito do seu Filho para nos libertar
do pecado e da própria lei (Rm 8). Na segunda parte da Carta, no capítulo 13,
Paulo nos dá orientações sobre como viver a fé e nos ensina a buscar luzes e
forças (inspirações) que nos ajudem a lidar com as autoridades, ou seja, como
enfrentar o autoritarismo nas várias áreas do exercício do poder: na política,
na economia, na religião e a aprimorar o jeito libertador de amarmos o/a
próximo/a nas relações interpessoais internas, nas comunidades e na
sociedade.
Como as primeiras comunidades
cristãs, que receberam a Carta do apóstolo Paulo aos Romanos, lidavam com as
autoridades do poder imperial, sediado em Roma? Enfrentavam-nas de “peito
aberto”, denunciando suas atrocidades e violências? Ou deveriam abaixar a
cabeça e engolir “a seco” as injustiças e as violências, pois se as
denunciassem, provocariam um agravamento da opressão? Deveriam buscar “brechas”
no sistema imperial escravocrata para sobreviver? A partir do contexto da
comunidade cristã e dos desafios que enfrentavam na periferia de Roma, qual a
mensagem do apóstolo Paulo? Quais as luzes e as forças – inspirações – para
nós, hoje, (que) o capítulo 13 da Carta aos Romanos nos traz?
De ponta a ponta, do Gênesis ao
Apocalipse, a Bíblia mostra a caminhada de povos oprimidos e escravizados que
acreditavam em um Deus, que não era neutro e nem estava acima das pessoas, como
juiz julgando e condenando, mas se revelava como Javé, Deus da vida, solidário
e libertador (Ex 3,7-9). Os textos bíblicos nos mostram inúmeras formas de
enfrentar e lidar com os poderes opressores. Por exemplo, sob o domínio do
Imperialismo dos Faraós, no Egito, por volta de 1.250 antes da Era Cristã, as
parteiras – mulheres do setor de saúde pública - fizeram greve e geraram
desobediência civil, política e religiosa diante de um decreto-lei (medida
provisória) que, para fazer controle de natalidade, obrigava as parteiras a
matarem os meninos hebreus na hora do nascimento (Ex 1,15-22). Com astúcia e
esmerada sabedoria popular, as parteiras desrespeitavam e driblavam este
decreto-lei violentador e deixavam nascer os meninos, entre os quais Moisés
que, com as parteiras, Miriam e Aarão conduziu o processo de libertação do povo
escravizado, atravessando o mar Vermelho e marchando no deserto por “40 anos”,
em busca de uma “terra que corre leite e mel”, prometida por Deus.
Por volta do ano 587 antes da Era
Comum, quando viu que o povo que acreditava em Deus estava cercado e sitiado
pelo brutal exército do rei Nabucodonosor, em Jerusalém, o profeta Jeremias
aconselhou o povo a “se submeter” (cf. Jer 27,2.8.12.17-18), naquele momento,
como tática, para não ser aniquilado pelo poderoso exército invasor do rei da
Babilônia. Um passo atrás para dar dois à frente, um recuo estratégico.
Na década de 70 do século I, o
autor do Evangelho de Marcos, via de regra, denuncia as injustiças e as
violências do poder político e, em alto e bom som, acusa o poder político
nacional e internacional de ser o principal responsável pela condenação à pena
de morte de Jesus Cristo.
Em outro contexto, na década de 80 do Século I, o
Evangelho de Lucas anima as comunidades cristãs a não fazerem confronto direto
com as autoridades opressoras do poder político, mas a ir infiltrando-se nas
“brechas” viáveis que viabilizassem a evolução das comunidades cristãs,
praticando o evangelho de Jesus, com fraternidade real, nos vários aspectos da
vida. Entretanto, diante de opressão econômica, Lucas confronta e denuncia, com
veemência, os exploradores econômicos, em afirmações tais como “Ai de vós
ricos...!” (Lc 6,24-26), exorta ao rico que alegava ser um cumpridor dos
mandamentos de Deus: “Vá, venda tudo o que tens e dá tudo aos pobres!”
(Lc 18,22) e “puxa a orelha” de doutores da Lei e de fariseus: “Ai de vocês,
doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês limpam o copo e o prato por fora,
mas por dentro vocês estão cheios de desejos, de roubo e cobiça. 26
Fariseu cego! Limpe primeiro o copo por dentro, e assim o lado de fora também
ficará limpo” (Mt 23,25-26). Conforme o Evangelho de Lucas, os
principais mantenedores desse sistema desigual da cidade são os fariseus. Lucas
é o único evangelista a chamá-los de “amigos do dinheiro” (Lc 16,14) e os
apresenta como o inimigo número 1 de Jesus. Por quê? Porque a maior parte dos
fariseus e os saduceus sustentam e reproduzem um projeto de sociedade enraizada no acúmulo e
concentração de bens e poder. No Evangelho de Lucas, fariseus e saduceus são
denunciados e repudiados, porque jamais se relacionam com os pobres,
camponeses, mutilados, doentes etc. (cf. Lc 14,12-14). Como diz a parábola do
rico esbanjador e do pobre Lázaro, já nesta vida há entre o rico e o pobre um
abismo intransponível (cf. Lc 16,19-31).
Os textos apocalípticos bíblicos
denunciam, através de códigos, os opressores. Fazem isso, com linguagem
simbólica, de modo que as pessoas pudessem levantar a voz, ao mesmo tempo em
que davam a impressão de abaixar a cabeça, para não serem reprimidas. E na
Carta aos Romanos, especialmente em Rm 13,1-7, como Paulo propõe lidar com as autoridades?
E por que e para que tal tipo de orientação? Isto veremos no próximo texto/vídeo, o segundo.
07/08/25
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE
SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO
2 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI
RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG
3 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR
PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS
4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1
5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos
- Parte 1
6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos
7 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06
8 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06
9 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06
10 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06
11 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06
12 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06